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http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=82890
7. Xingu +23: pare Belo Monte,
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7. Xingu +23: pare Belo Monte,
artigo de Rodolfo Salm
Rodolfo Salm é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Altamira e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Paralelamente aos primeiros dias da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada de 13 a 22 de junho, na cidade do Rio de Janeiro, com a meta vaga de "contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas", foi organizado em Altamira, no Pará, o encontro Xingu+23, com o objetivo explícito de lutar contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu. O +23 faz referência ao número de anos desde o primeiro encontro dos povos indígenas de Altamira, ocorrido em 1989, já voltado à oposição à construção desta hidrelétrica no rio Xingu, quando os índios aqui reunidos, aliados a movimentos sociais, conseguiram cancelar o financiamento do Banco Mundial para o desenvolvimento das obras. Hoje, Belo Monte não é mais um projeto, mas uma obra em andamento, e neste encontro foram debatidos seus terríveis impactos, que já assolam a população desta região da Amazônia.
A abertura do evento aconteceu no dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, na comunidade batizada com o nome do santo, ou pelo menos no que sobrou dela, pois a vila foi destruída para a construção da hidrelétrica. A data era, por um lado, especial, pois era o dia do padroeiro da vila, celebrado há muitos anos naquela comunidade; e, por outro, muito triste, pois seria a última celebração feita na comunidade.
Emoção sintetizada no depoimento do senhor Élio Alves da Silva, antigo morador da comunidade, e que deu início ao encontro. Élio lembrou os antigos moradores da vila que não estavam mais lá, suas alegrias em uma vida simples de luta de muitas décadas, testemunhada pelas mangueiras antigas, que cobriam os bancos, o altar e o estandarte montados ali para a celebração. "Criei meus filhos à custa do Xingu. Foi o rio mais rico que conheci. Mas hoje pescadores não conseguem mais pescar. Cada dinamite que explode parece que tem uma coisa explodindo aqui dentro do meu peito", disse ele. Que completou contando que, se quisesse visitar algum dos seus antigos vizinhos, não teria como, pois todos se mudaram não se sabe para onde, com uma indenização em dinheiro que nem de longe paga o trabalho que tiveram por lá.
Vidas destruídas, uma comunidade dilacerada. E não pôde completar seu discurso, pois a emoção lhe encharcou os olhos e travou a garganta. Além dos pequenos agricultores que lá estavam, acompanharam o evento estudantes, jornalistas, índios da região do Xingu e Munduruku, da região do Alto Tapajós, também ameaçados pela construção de barragens naquele outro rio, para nos lembrar de que este não é um problema só do Xingu, mas de toda a região amazônica, ameaçada pelo modelo de desenvolvimento econômico imposto para a nossa região. Além de um casal de ativistas turcos, que enfrentam problemas similares causados pela construção da hidrelétrica de Ilisu, no rio Tigre, para nos lembrar de que este também não um problema só da Amazônia, mas mundial.
O ponto alto do encontro foi um protesto iniciado na madrugada do dia 15 - cerca de 300 manifestantes, às 5 horas da manhã, dirigiram-se ao canteiro de obras de uma ensecadeira de Belo Monte, barragem provisória de barro de pedras, que cortou o rio e que havia sido construída recentemente próxima à comunidade de Santo Antônio. Munidos de pás, enxadas e picaretas, abriram um caminho estreito de 15 metros de comprimento e 1,5 m de profundidade no barramento para que o Xingu pudesse correr uma vez mais, ainda que simbolicamente, ao longo de seu curso natural (ver o vídeo: Indígenas ocupam Belo Monte). Também fincaram 200 cruzes representando as mortes causadas pelo empreendimento e plantaram 500 mudas de açaí, simbolizando o sonho de recuperação daquela área degradada. Depois, sentados sobre a ensecadeira, escreveram com seus próprios corpos dispostos em forma de letras "Pare Belo Monte", para que fossem fotografados do céu.
Enquanto na Rio+20 discute-se o conceito vago de "Economia Verde", o novo termo da moda, tão vazio de significado quanto o antigo e já desacreditado "Desenvolvimento Sustentável" dos anos 90 (vazio porque mal nascido, já apropriado pelo agronegócio brasileiro, fortemente representado na Conferência das Nações Unidas, cinicamente se auto-intitulando "verde"), a Xingu +23 tinha um recado bem claro para passar para o mundo: essa sandice de barrar todos os rios do planeta a todo custo tem que parar, começando por Belo Monte no rio Xingu.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.
Rodolfo Salm é professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Altamira e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
Paralelamente aos primeiros dias da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada de 13 a 22 de junho, na cidade do Rio de Janeiro, com a meta vaga de "contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas", foi organizado em Altamira, no Pará, o encontro Xingu+23, com o objetivo explícito de lutar contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu. O +23 faz referência ao número de anos desde o primeiro encontro dos povos indígenas de Altamira, ocorrido em 1989, já voltado à oposição à construção desta hidrelétrica no rio Xingu, quando os índios aqui reunidos, aliados a movimentos sociais, conseguiram cancelar o financiamento do Banco Mundial para o desenvolvimento das obras. Hoje, Belo Monte não é mais um projeto, mas uma obra em andamento, e neste encontro foram debatidos seus terríveis impactos, que já assolam a população desta região da Amazônia.
A abertura do evento aconteceu no dia 13 de junho, dia de Santo Antônio, na comunidade batizada com o nome do santo, ou pelo menos no que sobrou dela, pois a vila foi destruída para a construção da hidrelétrica. A data era, por um lado, especial, pois era o dia do padroeiro da vila, celebrado há muitos anos naquela comunidade; e, por outro, muito triste, pois seria a última celebração feita na comunidade.
Emoção sintetizada no depoimento do senhor Élio Alves da Silva, antigo morador da comunidade, e que deu início ao encontro. Élio lembrou os antigos moradores da vila que não estavam mais lá, suas alegrias em uma vida simples de luta de muitas décadas, testemunhada pelas mangueiras antigas, que cobriam os bancos, o altar e o estandarte montados ali para a celebração. "Criei meus filhos à custa do Xingu. Foi o rio mais rico que conheci. Mas hoje pescadores não conseguem mais pescar. Cada dinamite que explode parece que tem uma coisa explodindo aqui dentro do meu peito", disse ele. Que completou contando que, se quisesse visitar algum dos seus antigos vizinhos, não teria como, pois todos se mudaram não se sabe para onde, com uma indenização em dinheiro que nem de longe paga o trabalho que tiveram por lá.
Vidas destruídas, uma comunidade dilacerada. E não pôde completar seu discurso, pois a emoção lhe encharcou os olhos e travou a garganta. Além dos pequenos agricultores que lá estavam, acompanharam o evento estudantes, jornalistas, índios da região do Xingu e Munduruku, da região do Alto Tapajós, também ameaçados pela construção de barragens naquele outro rio, para nos lembrar de que este não é um problema só do Xingu, mas de toda a região amazônica, ameaçada pelo modelo de desenvolvimento econômico imposto para a nossa região. Além de um casal de ativistas turcos, que enfrentam problemas similares causados pela construção da hidrelétrica de Ilisu, no rio Tigre, para nos lembrar de que este também não um problema só da Amazônia, mas mundial.
O ponto alto do encontro foi um protesto iniciado na madrugada do dia 15 - cerca de 300 manifestantes, às 5 horas da manhã, dirigiram-se ao canteiro de obras de uma ensecadeira de Belo Monte, barragem provisória de barro de pedras, que cortou o rio e que havia sido construída recentemente próxima à comunidade de Santo Antônio. Munidos de pás, enxadas e picaretas, abriram um caminho estreito de 15 metros de comprimento e 1,5 m de profundidade no barramento para que o Xingu pudesse correr uma vez mais, ainda que simbolicamente, ao longo de seu curso natural (ver o vídeo: Indígenas ocupam Belo Monte). Também fincaram 200 cruzes representando as mortes causadas pelo empreendimento e plantaram 500 mudas de açaí, simbolizando o sonho de recuperação daquela área degradada. Depois, sentados sobre a ensecadeira, escreveram com seus próprios corpos dispostos em forma de letras "Pare Belo Monte", para que fossem fotografados do céu.
Enquanto na Rio+20 discute-se o conceito vago de "Economia Verde", o novo termo da moda, tão vazio de significado quanto o antigo e já desacreditado "Desenvolvimento Sustentável" dos anos 90 (vazio porque mal nascido, já apropriado pelo agronegócio brasileiro, fortemente representado na Conferência das Nações Unidas, cinicamente se auto-intitulando "verde"), a Xingu +23 tinha um recado bem claro para passar para o mundo: essa sandice de barrar todos os rios do planeta a todo custo tem que parar, começando por Belo Monte no rio Xingu.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.
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