quarta-feira, 13 de junho de 2012

Os Riscos da Obtusidade dos Rumos da Economia Brasileira

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Os Riscos da Obtusidade dos Rumos da Economia Brasileira

artigo de Celso Sánchez


Publicado em junho 13, 2012 por 
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Os Riscos da Obtusidade dos Rumos da Economia Brasileira
Imagem: Corbis/Charles Waller


OS RISCOS DA OBTUSIDADE DOS RUMOS DA ECONOMIA BRASILEIRA OU INSPIRAÇÕES A PARTIR DE UM ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA.

[EcoDebate] É consenso que as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, realizadas pelo governo foram otimistas demais. A expectativa inicial de desempenho da economia brasileira, em torno de 4% no início do ano, foi revista para baixo a partir dos frustrantes números do PIB no primeiro trimestre. O ministro Mantega em entrevista a Reuters diz que o PIB: “deve ter registrado expansão de apenas 0,3 a 0,5% entre janeiro e março passados quando comparado com o quarto trimestre. O pior cenário mostraria que a atividade não acelerou, já que entre outubro e dezembro, a expansão foi de 0,3%.”(http://economia.ig.com.br/2012-05-28/mantega-pib-cresceu-03-a-05-no-1-trimestre-mas-ja-acelera.html).

Diante do tenebroso cenário externo, com uma tragédia homérica a caminho, e do risco de se ter que diminuir ainda mais as projeções de crescimento da economia, para perigosos patamares de menos de 2%, não houve dúvidas: a solução seria estimular o setor privado e o consumo. Assim, com medidas de estímulo ao crédito e abrindo mão de impostos, em particular o IPI dos automóveis, anunciadas pelo governo, acredita-se que se podem “matar dois coelhos com uma cajadada”: esvaziar os lotados pátios das montadoras e garantir um “certo crescimento” dentro ou próximo das metas estipuladas por “eles”. A medida, no entanto, não agrada nem aos empresários da FIESP, nem analistas como Mendonça de Barros, que criticou a medida em entrevista ao “O GLOBO” deste domingo, 3 de junho de 2012, o ano em que o mundo vai acabar, pelo menos no Mediterrâneo e suas Ilhas Gregas.. Para o ex-primeiro escalão do ministério da fazenda e hoje consultor de (algumas) empresas, a medida é uma repetição de uma “mágica do passado” que mascara o crescimento, recalcando suas fragilidades. Para Mendonça de Barros, aumentar o consumo esbarra no endividamento das famílias brasileiras. Através de pesquisa realizada por sua firma com 55 mil pessoas, usando dados do IBGE, em sua Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2009, mais de 10 milhões de famílias em todo país já comprometeram mais de 30% de sua renda com prestações.

Numa primeira leitura superficial, achei que essas dívidas eram com a Caixa Econômica Federal, Casas Bahia e… carros…além do Ricardo, é claro. Mas os dados me mostrariam que eu estava enganado, segundo a pesquisa do IBGE:

“Em 2008/ 2009, as despesas correntes, que são os gastos cotidianos das famílias, representavam 92,1% da despesa total média mensal, ou o equivalente a R$ 2.419,77. A maior parte desse valor se referia às despesas de consumo - com alimentação, moradia, educação, transportes, entre outros -, que somavam em média R$ 2.134,77 (81,3% da despesa total). As outras despesas correntes (impostos, contribuições trabalhistas, pensões, mesadas, doações etc.) consumiam em média, por mês, R$ 285 (10,9% do total).http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1648&id_pagina=1

Ou seja, o endividamento é com comida, educação, habitação, impostos e transporte para ir trabalhar. Diante dos dados e da percepção acurada das demandas do povo brasileiro, a proposta do governo foi óbvia: aumentar o consumo de carros. Uma proposta sintomática de uma visão completamente obtusa da realidade das famílias brasileiras. Em outras palavras, como diria H.G. Weels, em terra de cegos, não necessariamente quem tem um olho é rei.

Várias questões me vêm indelevelmente à tona: Por que incentivar a redução de impostos sobre empresas e não sobre os cidadãos que tem parte de significativa de seu orçamento comprometida com tributos? O que as montadoras têm que eu e você não temos? Argumentos como: ah! É que eles geram empregos, não colam, pois hoje há mais gente empregada no setor de serviços para a classe média que nas montadoras. Outro argumento do tipo: ah! Eles geram impostos! Também não cola, pois as maiores contribuições tributárias vêm das pessoas e não deste setor em particular. O próprio IPEA (Instituo de Pesquisa Econômica Aplicada) diz:

“Os 10% mais ricos concentram 75% da riqueza do país. Para agravar ainda mais o quadro da desigualdade brasileira, os pobres pagam mais impostos que os ricos… os 10% mais pobres do país comprometem 33% de seus rendimentos em impostos, enquanto que os 10% mais ricos pagam 23% em impostos.”.http://www.ipea.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=382.

Então sinceramente eu não entendo essa lógica, a não ser pelos argumentos políticos do tipo: ah! É que eles, as montadoras, financiam nossas campanhas eleitorais, aí sim tudo bem, eu entendo.

Eu gostaria de perguntar a consultoria de Mendonça de Barros e de outros sábios que conhecem o governo por dentro e hoje ajudam as empresas a crescer e desenvolver o Brasil: qual seria o impacto de abrir mão de impostos em saúde e educação? Em educação, por exemplo, permitindo ao contribuinte abater todo o valor pago com cursos e formação profissional? Qual poderia ser o impacto na economia, no PIB, no curto, médio e longo prazos se abríssemos mão dos impostos de importações de máquinas e instrumentos para a pesquisa, inclusive nas microempresas e coopertativas de trabalhadores?

Não sou de nenhuma consultoria, mas será que essas medidas simples, em particular sobre o imposto de renda sobre pessoa física, não desafogaria, mesmos que só um pouco, o endividamento da população?

Enquanto isso, avançamos no mundo real, objetivo e pragmático, o mundo patriarcal, judaico-cristão, branco-urbano dos grandes pensadores da economia brasileira. Vamos incentivar gente endividada a se endividar mais, comprando carros para fazer o país crescer, vamos ser realistas e objetivos e não ver que na sexta feira, dia 1 de junho, havia 205 km de congestionamento recorde em São Paulo.

As bem intencionadas montadoras, pessoas de fato comprometidas com a educação e com o desenvolvimento deste país, já percebem a inviabilidade do sistema.

Ernesto Cavasin, atualmetne Board Member at ABEMC – Brazilian Carbon Market Associations segundo seu linked-in, consultado em 3 de junho de 2012, comenta, em entrevista a Tadeu Breda da Rede Brasil Atual, que não adianta impedir a produção de automóveis e “elogia a recente desoneração fiscal concedida pelo governo federal à compra de veículos. O problema da mobilidade descansa sobre a infraestrutura e o sistema de transportes públicos, que devem ser melhorados independentemente do desempenho da indústria automobilística. ”http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2012/06/montadoras-deixarao-de-vender-carros-para-vender-mobilidade-diz-analista

Ou seja, as indústrias podem continuar produzindo cada vez mais carros, desde que haja transporte público e mobilidade para as pessoas, ou seja, podemos continuar sendo do jeito que somos desde que o governo garanta a mobilidade urbana. Como? Eu também não entendi. Para o especialista em mercado de carbono, uma espécie de ambientalista de mercado, quando perguntado se a redução IPI dos carros não iria deixar o trânsito ainda mais caótico a resposta foi:

“Com mais carros, há mais problemas. Mas a questão principal é a infraestrutura. O que o governo está fazendo ao reduzir o IPI é estimular a economia, e com a economia estimulada você consegue recursos para melhor executar políticas públicas. A mobilidade urbana é resultado de melhores estrutura viária e transporte público. Não adianta achar que a solução é diminuir ou restringir o acesso da população ao carro. Isso é tampar o sol com a peneira”http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2012/06/montadoras-deixarao-de-vender-carros-para-vender-mobilidade-diz-analista

Ou seja, não tem problema as pessoas se endividarem ainda mais e comprarem mais e mais carros, se elas conseguirem ir pra lá e pra cá com o transporte público, a infraestrutura e a mobilidade urbana que o governo der. Tudo para manter tudo como está. Incrível como a psicanálise é útil para revelar atos falhos: quem está tapando o sol com a peneira? Questões de coerência textual, semântica e psicanalítica a parte, o fato é que levantamento feito pelo DENATRAM e divulgado em 10 de fevereiro de 2011 constata que “O total de veículos no país mais que dobrou nos últimos dez anos e atingiu 64,8 milhões em dezembro de 2010” http://g1.globo.com/carros/noticia/2011/02/frota-de-veiculos-cresce-119-em-dez-anos-no-brasil-aponta-denatran.html.

Afora os impactos socioambientais da produção ao uso dos automóveis, o que me inquieta mesmo é o deslocamento da questão socioambiental para debaixo do tapete, ela fica como um apêndice à discussão sobre desenvolvimento do país, secundária. O problema é que ela está virando uma apendicite.

Um aspecto importante é pensar esses impactos socioambientais em termos de emissão de carbono, mas um outro ponto urgente sobre o “aquecimento” do consumo de automóveis vêm de imediato sobre um drama da vida urbana contemporânea. Transitabilidade, algo que influi diretamente sobre a qualidade de vida das pessoas reais, endividas e sobre as quais repousa a expectativa de aquecimento da economia brasileira. Para mim, modesto ser real e endividado de carro quitado, no estilo “ é velho , mas e meu” a conta do PIB é loucura, é esquizofrênica e cega. Tenho minhas dúvidas sobre o que esta equação, de fato, mensura.

Acho que precisamos pensar em outro modelo de avaliação da nossa riqueza, crescimento e desenvolvimento, baseados em critérios outros. Pensar em desenvolver a infraestrutura para a perpetuação desse modelo é um erro histórico, mais que nunca, está claro que o verdadeiro desenvolvimento do país está num profundo aumento de infraestrutura sim, da escuta do que o povo brasileiro de fato reclama. Nesse sentido, não precisa fazer muito esforço e ver que precisamos de educação, saúde, cultura, lazer, paz, felicidade e como diz a Constituição Federal no artigo 225 de: “meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida”.

Ampliar a educação, mas educação de qualidade, estimular o consumo sim, mas o consumo de produtos culturais, de lazer é o que de fato podem tirar o endividamento das pessoas e melhorar a qualidade de vida, possibilitando uma vida plena, com consequências para a economia, agregando valor aos nossos produtos, principalmente, valor humano, indo para além do economicismo linear e retrógrado, pensar que podemos ser felizes, mesmo que isso se dê em um cenário de queda ou de crescimento modesto do PIB.

Os indicadores, me parece, devem ser outros. O que eu enxergo a essa altura é que é fundamental trazer a educação e a questão socioambiental para a centralidade dos debates em desenvolvimento do país. Chega de ser refém dessa economia obtusa, estreita e cega. Como diz o ditado, o pior cego é aquele que não quer ver. Por que será que eles não querem ver essa realidade tão escancarada?

Celso Sánchez, Biólogo, Prof. Adjunto II da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

EcoDebate, 13/06/2012

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