segunda-feira, 18 de junho de 2012

A diáspora Xavante da Eco-92 a Rio+20

CARTA MAIOR
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Movimentos Sociais| 17/06/2012 | Copyleft 

A diáspora Xavante da Eco-92 a Rio+20

A situação do povo Xavante, da terra Maraiwatséde, no Mato Grosso, é um dos mais emblemáticos debates na Rio+20, que se dedica, em uma de suas vertentes programáticas, a revisar questões já discutidas 20 anos atrás, na Eco-92. O cacique Damião Paridzané veio ao Rio e foi enfático na cobrança por uma solução para o sofrimento que passam em sua luta pela terra: "vamos ter que esperar mais vinte anos?".

Rio de Janeiro - Uma das características que tem marcado a conferência Rio+20 é a revisão de ações iniciadas, ou que tiveram impacto, 20 anos atrás, na Eco-92. E a situação do povo Xavante, da terra indígena Maraiwatséde, é uma das mais emblemáticas. O cacique Damião Paridzané, que teve participação fundamental no primeiro encontro para recuperar a terra tradicional, foi enfático na cobrança por uma solução para o sofrimento que passam: "vamos ter que esperar mais vinte anos?", questionou em seu discurso, no seminário "Maraiwatséde – Terra da Esperança", que ocorreu sábado (16) na Cúpula dos Povos.

"Estamos aqui na Rio+20 buscando a solução para que aconteça a desintrusão dos invasores da nossa terra. Porque desde a Eco-92, ninguém quer resolver o problema. E mais uma vez, vamos fazer a cobrança", disse Damião.

A diáspora Xavante decorrente da expulsão dos índios de sua terra, Maraiwatséde, no norte do estado do Mato Grosso, em 1966, é um dos problemas mais constrangedores do indigenismo no Brasil. Os Xavante foram levados em aviões da FAB para um território localizado 400 quilômetros ao sul, para uma missão católica. Nos primeiros quinze dias, uma epidemia de sarampo matou 150 índios, e os sobreviventes fugiram para outras áreas Xavante, vivendo em um exílio interno no país. "O medo do sarampo fez com que o povo vivesse com medo por muito tempo, sem poder voltar para sua terra, parando em outras terras", recorda.

Após ser adquirido por uma empresa colonizadora paulista, de Ariosto da Riva, o território Xavante passou para as mãos do Grupo Ometto, se transformou no latifúndio Suiá-Missu, foi adquirido pela Liquigás e em seguida, pela compra das ações, passou para as mãos da empresa italiana Agip Petrolli, empresa Vaticano. Uma sucessão jurídica de posse sem que, em nenhum momento, a tradição da ocupação Xavante fosse um empecilho para os negócios. 

Foi então que a Eco-92 serviu para dar visibilidade e mudar a situação dos Xavante. Logo antes da conferência, a Agip foi constrangida na Itália por seus atos contrários aos direitos indígenas no Brasil. Paridzané foi até lá denunciar o que seu povo vivia – mas não chegou a ser recebido pelo Vaticano, um dos principais acionistas da Agip. Tendo que prestar contas em casa de seus atos, a empresa decidiu devolver as terras aos índios. Mas no Brasil, a filial abriu o latifúndio para invasões.

"Haviam cartazes dizendo para cada um posseiro ir pegar seu lote", contra a antropóloga Iara Ferraz, parceira dos Xavante nesse movimento, e autora do laudo antropológico da Funai que identificou a terra indígena. Ela conta que pelo rádio era incentivada a chegada de novos invasores, e entre as escutas captadas pela polícia federal na época, o racismo era a principal tônica, com trechos como "se gostam de índios na Itália, então leva eles para lá".

O ator Marcos Palmeira, solidário aos Xavante, esteve presente no seminário e em sua fala ressaltou o racismo contra os índios que permeia o discurso contrário aos direitos indígenas. Também abordou a hipocrisia dos grandes produtores: "eu nunca fui na casa de um brasileiro e alguém me ofereceu um prato de soja". Palmeira apresentava o programa Auwê na TV Cultura, sobre povos indígenas, que teria sido descontinuado por que, segundo teria dito a ele o presidente da Cultura, "a quem interessa o índio brasileiro? Eu nunca me senti tão constrangido."

Após a homologação, em 1998, a questão da terra indígena Maraiwatséde saiu das vias administrativas da Funai e foi parar nos tribunais. Tudo sem que os Xavante tivessem voltado para casa, ainda vivendo em exílio. A procuradora do Ministério Público Federal, Márcia Zollinger, fez um resumo da judicialização do caso. Em primeira instância a sentença judicial determinou a posse dos índios e a desintrusão dos invasores, que foi confirmada em segunda instância. A execução da ordem, no entanto, foi suspensa por uma liminar, recentemente cassada. "Agora o governo tem vinte dias para realizar a desintrusão e devolver a terra aos índios", afirmou a procuradora, de forma categórica.

Aluizio Azanha, representante da Funai, apresentou os passos que o governo está planejando para a desintrusão, que visa, primeiro, retirar os grandes fazendeiros, que não são clientes da reforma agrária. "Faremos junto da Polícia Federal, porque é uma área muito violenta."

Carolina Rewappu veio representar as mulheres Xavante. Socióloga, pós graduada pela Universidade do Mato Grosso e professora da escola, ela contou um pouco da história, e das cicatrizes. "Nós nunca vamos nos esquecer da nossa expulsão, do avião da FAB (Força Aérea Brasileira), que nos levou para a outra aldeia", disse. "Maraiwatsede continua na situação mesma situação daquele tempo, com o problema da invasão dos brancos na terra indígena."

"Sofremos até hoje. Estou aqui na Rio+20, e para vir aqui é sacrificado, é sofrimento. Na Eco-92 eu vim conseguir um caminho para recuperar a área Maraiwatsede. Faz 20 anos, e não consegui", disse Paridzané. Carregava na mão uma cópia do processo e uma borduna, a arma tradicional do povo Xavante. Ele apontou políticos e fazendeiros grandes como os mais influentes no lobby contra a terra indígena.

"O que acontece em Maraiwatséde é o que acontece com os guarani kaiowa, no Mato Grosso do Sul, é a violência contra os povos indígenas no Brasil", lembrou Ivar Busatto, da Operacão Amazônia Nativa (Opan), que organizou o encontro.

Paridzané é o maior símbolo da luta pela retomada, o líder que reorganizou o povo disperso em diversos territórios Xavante, e organizou, de forma efetiva, a entrada no território. Entre 2004 e 2005 os índios decidiram entrar. Ficaram meses acampados, frente a frente com a resistência armada dos invasores, com apenas um córrego separando o front. No discurso, ele expôs o risco de vida que está exposto em razão da omissão do Estado: "Eu estou muito ameaçado de morte pelos fazendeiros. Mas eu não vou parar por causa do que os fazendeiros falam, e por causa dos pistoleiros que os fazendeiros contratam para me matar. Eu não vou desistir da luta".

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