segunda-feira, 21 de março de 2022

Cuiabá: Capital do Pantanal e do agronegócio?

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ROMYR CONDE GARCIA
19.03.2022 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Cuiabá: Capital do Pantanal e do agronegócio?

Muito mais que um título de uma Capital, está em jogo a identidade de um Estado

Nos tempos da Colônia e do Império era costume a Coroa dar a algumas vilas e cidades títulos e honrarias que conferiam a estas localidades certo grau de destaque. A honraria mais comum, se bem que foram poucas, era conferir o título de “Real” a algumas vilas. Em nosso estado os cuiabanos podem se orgulhar que sua cidade natal, ao ser elevada a vila recebeu o nome de Vila Real de Bom Jesus de Cuiabá. 

 

Infelizmente não encontrei nenhum trabalho que me revelasse quantas vilas receberam o título de “Real” dos reis portugueses, sei que até o ano de 1800, existiam no Brasil 12 cidades e 225 vilas. E não podemos esquecer que, pensando pela lógica atual, tanto as vilas como as cidades seriam consideradas municípios. O que diferia estas era o papel que exerciam do ponto de vista político administrativo, como a capital de um Estado ou de capitania. Do ponto de vista religioso, ou seja, sede de Bispado, e também militar.  

 

Acontece que além desta distinção, algumas vilas e cidades recebiam o título de Real. Para muitos, trata-se de uma honraria, por mim, existe também a possibilidade da Coroa desejar submeter uma vila dita “rebelde”. Creio que Cuiabá foi justamente este motivo. 

 

Não sei se este “título” foi aprovado pela Câmara de Cuiabá, só sei que existem espalhados pela cidade vários portais nos informando “Cuiabá Capital do Pantanal e do Agronegócio”.

Faço pesquisas históricas desde o ano de 1985, trabalhei em diversos arquivos no Brasil e foram poucas vezes que encontrei uma vila com o título de real. Neste momento, para a Capitania de Minas Gerais, só me lembro da Vila Real de Sabará.  

Por esta raridade, assim como a nova historiografia gosta de destacar, entre eles Carlos Rosa e Nauk Maria de Jesus, pode se gabar que Cuiabá foi sim uma Vila Real. 

 

Eu disse “foi”, até porque, ao ser elevada a cidade no ano de 1819, junto com Vila Bela, Cuiabá passou a ser chamada apenas de “Cidade de Cuiabá” perdendo com isso seu título de “Vila Real”. Por isso não entendo alguns historiadores tentando realçar o título de vila quando este não fazia mais sentido. Nem os fundadores do Instituto Histórico de Mato Grosso gostavam de usar o título de “Vila Real”. 

 

Ah! Só para saciar uma curiosidade, a tão badala cidade de Petrópolis só recebeu o título de Cidade Imperial em 1981, pelo presidente João Batista Figueiredo, decreto de n. 85.849 de 27 de março. Desculpem-me os petropolitanos, pode até ter força de lei, mas um presidente da República não tem o poder de conferir um título ou uma honraria da monarquia. Tem coisas que só acontecem no Brasil. 

 

Voltando para a nossa realidade, hoje “título” de Cuiabá hoje é “capital do Pantanal e do Agro Negócio” 

No passado eram os reis e imperadores que conferiam estes títulos e honras, hoje quem se coloca neste direito é o povo de uma cidade, normalmente exercido pelos seus representantes, aprovado pela câmara municipal e as vezes pela assembleia ou mesmo no Congresso Nacional. 

 

Não sei se este “título” foi aprovado pela Câmara de Cuiabá, só sei que existem espalhados pela cidade vários portais nos informando “Cuiabá Capital do Pantanal e do Agronegócio”.

 

Como a população local tem o poder de dar estes títulos, só em Mato Grosso, além de Cuiabá, eu conheço duas “capitais” do agro negócio: Sorriso e Primavera do Leste. Aposto que deve existir outras em Tocantins, Goiás, Minas Gerais. 

E capital do Pantanal? 

 

Descobri que em 19 de março de 2018, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados “aprovou, o Projeto de Lei 6816/06, do deputado Vander Loubet (PT-MS), que confere à cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, o título de capital do Pantanal”, tendo que ser aprovada pelo Senado. Ou seja, temos uma lei federal conferindo a Corumbá uma honra que Cuiabá também reivindica. Creio que por ser uma lei federal, neste caso, Cuiabá perdeu essa briga.

 

Não entrarei no mérito de qual cidade deveria ter este título. Minha qualidade de historiador, como diria o grande mestre Peter Burke: “A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer", desta forma irei cutucar a ferida e lembrar que, quando atravessei pela primeira vez a Ponte Júlio Campos no ano de 1992 o portal de entrada ostentava um letreiro que estava escrito “Cuiabá Portal da Amazônia”. 

 

Na época, como aprendiz de geografo, esta frase não fazia o menor sentido. Eu estava na região Centro Oeste, entre os biomas Cerrado e Pantanal e não diante da Floresta Amazônica. Só depois me disseram que Mato Grosso pertencia a “Amazônia legal” desde o ano de 1953, quando instituíram esta região específica. Informaram-me também que de era de Cuiabá que partiam os colonos que estavam desbravando o Norte do Estado. 

 

Se Cuiabá já foi o “Portal da Amazônia” e agora se intitula “Capital do Agronegócio e do Pantanal” o que mudou? 

Se foi tão importante num passado bem próximo, qual a razão para esta mudança? 

 

Os leitores já devem estar sabendo que existe um grande debate cujo centro é tirar Mato Grosso da Amazônia Legal. Se não estão sabendo, está na hora de se informar. Muito mais que um título de uma capital, está em jogo a identidade de um Estado, e com ele, uma perspectiva de futuro.

 

ROMYR CONDE GARCIA é professor de Direito Unemat em Barra do Bugres e doutor em História pela USP.

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