centro burnier
http://centroburnier.com.br/wordpress/?p=862
Michèle Sato é ambientalista, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e membro do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) – UFMT
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Artigo – Qual é a economia que Mato Grosso quer?
O histórico da educação ambiental não inicia na década de 60, mas o movimento da contracultura e diversas manifestações corroboraram com o seu fortalecimento a partir desta época. Posta na arena de disputas, os jovens foram rebeldes em negar uma cultura hegemônica para propor alternativas mais viáveis. Woodstock, Tropicália e Maio 68 talvez sejam alguns exemplos que ilustrem os movimentos mais significativos que possibilitaram mudanças para muito de além de droga, sexo e rock and roll.
Fruto da década rebelde, a década posterior de 70 incitava o paradoxo da global em contraponto com o local: No Brasil, o contrassenso da ordem desenvolvimentista representada pela Transamazônica marcava timidamente a série de eventos como Estocolmo 72 ou Tbilisi 77. Enquanto o mundo se revestia no debate socioambiental, pautando a dimensão humana coligada à natural, slogans duvidosos pairavam no Brasil tomado por militares: “Que venha a poluição, pois junto vem o progresso”. E ainda na era contemporânea, discursos de mais de 40 anos atrás perduram principalmente no setor do agronegócio mato-grossense: “integrar para não entregar”. A noção desenvolvimentista teimava em tornar os povos tradicionais e as comunidades invisíveis e sob a égide dos espaços vazios, a descentralização brasileira rumava por “uma terra sem homens para homens sem terra”.
De engodo a engodo, aqueles que teimavam por mudanças conseguiram driblar o sistema viciado com alguns feitos históricos, como a criação do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, que envolvia o Movimento Artista pela Natureza e demais movimentos socioambientais espalhados em todo o cenário brasileiro. O assassinato de Chico Mendes corria em paralelo ao movimento das Diretas Já e a pauta socioambiental também chegou internacionalmente pela comissão que Brundtland, que apregoava um termo novo no relatório do nosso futuro em comum: “Desenvolvimento sustentável”.
No prefácio do livro, em1987, aministra da Noruega antecipava a controversa do termo nas disputas políticas e ainda assim, ela afirmava não haver prejuízos à sociedade. O que se viu de lá pra cá foram apenas discursos incorporados paulatinamente sem nenhum esforço crítico, e o termo sustentabilidade caiu na banalidade de discursos vazios. Recentemente numa entrevista à Folha de S. Paulo, Gro Brundtland (2012) afirma que há abusos no uso do termo “sustentabilidade”. Arguida qual país teria realizado o chamado desenvolvimento sustentável, ela respondeu: “Coreia do Sul”. Não é preciso ser economista para se ter a leitura que os tigres asiáticos são países que não se sustentarão em suas bases econômicas, já que o ritmo frenético que acelera o capital não é endógeno, e nenhuma base forte pode sustentar as injustiças como o trabalho escravo ou o infantil que assolam tal países. Mas se a Coreia é exemplo de desenvolvimento sustentável para a criadora do termo, não resta dúvida que não existe nada de ambiental neste tipo de desenvolvimento.
O início da década de 90 reveste-se de vital importância ao mundo, especialmente ao Brasil, já que a Rio92 surgia como um marco significativo de consciência ambiental. Neste evento, surgem as primeiras manifestações contra uma cultura hegemônica da Organização das Nações Unidas (ONU), mas ainda um movimento sem nome. Antecedendo a Cúpula dos Povos (http://cupuladospovos.org.br/o-que-e/), uma espécie de contra-fórum debatia dois grandes princípios da sociedade civil: o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e de Responsabilidade Global (http://tratadoeducacaoambiental.net/Jornada/Home_pt.html) e a Carta da Terra (http://www.cartadaterrabrasil.org/prt/index.html).
No desfile das autoridades, a pauta oficial deflagrou a Agenda 21, um marco de compromissos frente ao século 21, e o status quo do desenvolvimento sustentável, que na época não teve o devido estranhamento político para denunciar a farsa do capitalismo, que se apresentava com outro codinome. Por outro lado, avanços significativos foram realizados pela criação da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA, 1992) e localmente, a criação da Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental (REMTEA), em 1996. Diversas outras redes locais e temáticas se fortalecem, e o Brasil configura-se como um dos países (se não for o único) que fortalece as estruturas horizontais e novos arranjos de organização da sociedade civil.
Em 2002, um tímido evento em Johanesburgo assinalava a Rio+10, no claro retrocesso político da agenda 21, que dilacerava a proposta educativa com clara orientação na divulgação do desenvolvimento sustentável sem muito compromisso com os processos educativos. Foi uma década de triunfo europeu unificado, mas também da ascensão democrática principalmente na América Latina, com as eleições de presidentes com visões de esquerda, como Fernando Lugo (Paraguai), Hugo Chaves (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Lula pelo Brasil. Acelera-se o ritmo frenético do desenvolvimento sustentável, pasteurizando os discursos e tornando-nos iguais no fenômeno da globalização. E finalmente, o lançamento da década da educação para o desenvolvimento sustentável pela UNESCO, que ludibriava os jovens e mascarava o marcado com outro nome, mas que jamais conseguiu retirar a força da educação ambiental, principalmente no cenário ibero-americano.
O trunfo da Europa durou pouco. Uma década depois, quando a cartadas econômicas entram em crise, e os países europeus entram em colapso, é a vez e voz da aparição escancarada do mercado, que sob a égide do capital, orienta a Rio+20 com a pauta: economia verde. Desta vez, o evento conta com a forte oposição da sociedade civil, por meio da Cúpula dos Povos, que recusando acreditar que a guinada necessária à transformação mundial não pode ser meramente econômica, organiza-se num evento paralelo de compromisso ético socioambiental.
O estado de Mato Grosso se organiza pelo Grupo de Trabalho de Mobilização Social (GTMS), reunindo diversos setores, organismos, movimentos e pessoas da sociedade civil, que articulada numa comissão estadual, prepara um ciclo de debates sobre a Rio20 e a Cúpula dos Povos, nos seus desafios e perspectivas.
Compreendendo que a economia verde é um outro apelido do capitalismo que tenta maquiar o mercado neoliberal, a proposta é que diversos eventos debatam “qual é a economia que se deseja”.
Para isso, diversos setores, segmentos e movimentos se articulam, promovendo um ciclo de debates formativo e cada um destes ciclos de debate proporá qual é a economia que se quer. Cada segmento faz uma proposição simples que será somada aos demais setores.
A primeira etapa deste ciclo começou com o setor educação, no dia 21 de março, envolvendo estudantes do ensino médio e universitário, professores, gestores da educação, sindicato dos trabalhadores da educação, militantes e membros do governo e sociedade civil. Debatemos o Tratado de Educação Ambiental, economia ecológica, des-envolvimento e educação. As propostas iniciais podem ser lidas no blog da Remtea: http://remtea.blogspot.com.br/2012/03/primeira-etapa-qual-e- economia-que.html.
Na segunda etapa, mobiliza-se o Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (FORMAD) que hoje lidera um importante movimento contra os agrotóxicos. MST, pequenos agricultores, agricultura familiar e setores ligados ao campesinato também farão suas propostas de qual economia se deseja (http://www.formad.org.br/wordpress/?p=1203). O evento será no dia 4 de abril, no auditório do Sindicato dos Trabalhadores da Educação (SINTEP).
Depois será a vez dos povos indígenas, engajados em suas instâncias de deliberação. Direitos humanos, pastoral da terra, CIMI, Centro Burnier, quilombolas, e assim sucessivamente. No dia 1º de junho faremos um grande fórum para sistematizarmos todas as proposições e escreveremos uma carta que será amplamente divulgada como: QUAL É A ECONOMIA QUE MATO GROSSO QUER.
Um pensador francês Michel de Certeau (1984) buscou distanciar o poder hegemônico instituído do poder de resistência instituinte, supondo dois eixos de ação: o primeiro eixo é o das ESTRATÉGIAS que se constitui pelos setores socialmente mais fortes que opera os campos de poder, como um general de guerra, uma operação da bolsa de valores, ou de uma propaganda midiática do agronegócio que incita o consumo desenfreado do capital de giro. O segundo eixo compreende as pessoas marginalizadas do poder instituído, mas que lutam para golpear o domínio hegemônico, aproveitando-se das brechas para surpreender os mais fortes por meio das TÁTICAS de resistência, numa reinvenção do cotidiano.
É no contexto da resistência contra a orientação mercadológica que a sociedade civil vai à luta, compreendendo que se há avanços, há também inúmeros retrocessos. Por isso, talvez nem mais, nem menos, mas Rio “marromeno” 20. No contexto das condições de injustiça socioambiental, é impossível aleijar-se das dores do mundo que incidem em Mato Grosso de forma latente, negando o espaço da militância, e essencialmente da escolha política inscrita na ética. É neste espaço coletivo da sociedade civil que estamos construindo nossos espaços de posições e escolhas políticas, por meio de táticas da ecologia de resistência.
Michèle Sato é ambientalista, professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e membro do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA) – UFMT
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