o eco
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Julie Dias morreu atropelada na manhã de sexta-feira, 2 de março. Era amiga de amigos, conhecida, vizinha de sonhos e crenças. Plantava árvores, plantava vida na cidade, conforme contam os mais próximos do Pedal Verde. À noite, Juliana se multiplicou. Ocupou toda Paulista, gritou na voz de centenas de ciclistas, caminhou em uma chuva dolorida, forte demais, iluminada por raios. Ganhou flores, velas, palavras bonitas. Mais amor, menos motor. Ganhou aplausos de pedestres. Despediu-se querida.
O céu chorou.
Quem viu de fora talvez nem entenda a comoção e a indignação coletiva, conjunta. Mesmo quem não a conhecia se irmanou. Porque quem pedala em uma cidade agressiva como São Paulo, quem ousa contrapor a estupidez cotidiana com gentileza, quem prefere seguir tentando construir uma cidade mais humana a se armar com um carro maior, mais blindado, mais pesado, se identifica prontamente com a vítima de uma violência tão brutal. Tão banal. Vítima da pressa que atropela a vida – de quem fica e de quem passa.
Quem pedala em São Paulo forma uma família. De festejar, trocar ideias, experiências e vontades no Mão na Roda, na Massa Crítica, em cicloviagens, em oficinas para ensinar mais gente a pedalar. Mas também de chorar junto, dar apoio, juntar força, sofrer para caralho. De trocar um turbilhão de sentimentos sem precisar falar nada, só com um abraço apertado, suado. De chorar só de ver o choro dos outros. De respeitar a dor.
Vale à pena? Vem uma porrada de emoção, de tristeza, de incerteza nessas horas. Vem a raiva, a indignação. A vontade de achar culpas, de cobrar mudanças urgentes, de forçar mudanças. Ou de desistir.
Mas a gente não sabe viver de outro jeito. E a gente se reproduz.
“... e não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
Uma gota cai bem no centro da pupila. Mas a gente segue de olho aberto.
* A ideia de família quem traçou foi o Marcelo Mig, que também enfrentou a chuva para se despedir nesta noite triste. A de continuidade veio de ver as fotos lindas da filha do William Cruz, do vadebike.org, que nasceu nesta mesma semana; motivo para gente não desistir de ter esperança.
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03 de Março de 2012
Uma gota d´água cai bem no centro da pupila. São várias. Machucam, desorientam, mas o olho permanece aberto. Dá para ver as luzes da Avenida Paulista, os prédios, e o céu escuro. Silêncio. Deitado no asfalto bem no meio da avenida junto com mais centenas de iguais. Sensação de frio, as gotas são geladas. Gosto amargo na boca. O tremor talvez seja por falta de calor, talvez por excesso de emoção. Vontade de vomitar. Também não dá mais para saber se no olho só tem água da chuva.Julie Dias morreu atropelada na manhã de sexta-feira, 2 de março. Era amiga de amigos, conhecida, vizinha de sonhos e crenças. Plantava árvores, plantava vida na cidade, conforme contam os mais próximos do Pedal Verde. À noite, Juliana se multiplicou. Ocupou toda Paulista, gritou na voz de centenas de ciclistas, caminhou em uma chuva dolorida, forte demais, iluminada por raios. Ganhou flores, velas, palavras bonitas. Mais amor, menos motor. Ganhou aplausos de pedestres. Despediu-se querida.
O céu chorou.
Quem viu de fora talvez nem entenda a comoção e a indignação coletiva, conjunta. Mesmo quem não a conhecia se irmanou. Porque quem pedala em uma cidade agressiva como São Paulo, quem ousa contrapor a estupidez cotidiana com gentileza, quem prefere seguir tentando construir uma cidade mais humana a se armar com um carro maior, mais blindado, mais pesado, se identifica prontamente com a vítima de uma violência tão brutal. Tão banal. Vítima da pressa que atropela a vida – de quem fica e de quem passa.
Quem pedala em São Paulo forma uma família. De festejar, trocar ideias, experiências e vontades no Mão na Roda, na Massa Crítica, em cicloviagens, em oficinas para ensinar mais gente a pedalar. Mas também de chorar junto, dar apoio, juntar força, sofrer para caralho. De trocar um turbilhão de sentimentos sem precisar falar nada, só com um abraço apertado, suado. De chorar só de ver o choro dos outros. De respeitar a dor.
Vale à pena? Vem uma porrada de emoção, de tristeza, de incerteza nessas horas. Vem a raiva, a indignação. A vontade de achar culpas, de cobrar mudanças urgentes, de forçar mudanças. Ou de desistir.
Mas a gente não sabe viver de outro jeito. E a gente se reproduz.
“... e não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
João Cabral de Mello Neto, in Morte e Vida Severina
Uma gota cai bem no centro da pupila. Mas a gente segue de olho aberto.
* A ideia de família quem traçou foi o Marcelo Mig, que também enfrentou a chuva para se despedir nesta noite triste. A de continuidade veio de ver as fotos lindas da filha do William Cruz, do vadebike.org, que nasceu nesta mesma semana; motivo para gente não desistir de ter esperança.
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