fonte - cúpula dos povos
http://cupuladospovos.org.br/2012/02/a-natureza-nao-tem-preco-capitalismo-verde-e-neocolonialismo-diga-nao-ao-redd/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CupulaDosPovosNaRio20+%28C%C3%BApula+dos+Povos+na+Rio%2B20%29
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Posted: 09 Feb 2012 08:05 AM PST
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
A sanha do capitalismo verde
Essa estratégia, por um lado, está sendo utilizado pelos donos do grande capital, receosos de que fique mais evidente para a humanidade que as catástrofes ambientais não são tão naturais, e sim resultado da exploração sem limites da natureza, com o objetivo de engordar seus já polpudos lucros através da cultura do consumo exagerado, imposta com sutileza às sociedades. Por outro lado, como saída para a crise mundial por qual passa o capitalismo – agora travestido de verde –, demonstrando a capacidade de reciclar-se. É nesse contexto que o capital vem apresentando, desde a Eco 92, suas propostas nas convenções do clima até agora realizadas.Agora não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis, ingleses, franceses e outros do norte desenvolvido. Chegam empresas transnacionais do norte, trazendo a tiracolo os governos de seus países, com propostas “ecologicamente corretas” e carregando em seu bojo a subordinação ainda maior dos povos do sul. A terra, lastro do capital natural, está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha também se estende aos outros elementos da natureza, como o ar, a biodiversidade, a cultura, o carbono – patrimônios da humanidade. O mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e Degradação (REDD) não diminuirá a poluição. É uma farsa. Na verdade, na melhor das hipóteses, significa trocar ‘seis por meia dúzia’. As empresas poluidoras dos países ricos do norte pagarão para os países do sul e continuarão a poluir. Nesse contexto, povos indígenas estão sendo assediados por ONGs a serviço das empresas do norte para que firmem contrato cedendo suas terras e florestas para a captura de CO2. Com o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a relação com a natureza passa a ser mercantilista, ou seja, os princípios de respeito do ser humano para com a natureza passam a ter valor de mercado e medidos nas bolsas de valores. O dinheiro resolve tudo, paga tudo. Os mecanismos do “capitalismo verde” reduzem a capacidade de intervenção do Estado e dos povos na gestão de suas florestas, bem como de seus territórios, que passam a ter o ônus de viabilizar compensações ambientais massivas em favor da manutenção do insustentável padrão de desenvolvimento dos países ricos – e em franco desenvolvimento, caso do próprio Brasil. Mecanismos de compensação para captura de carbono colocam em risco a soberania nacional, através da expansão das transnacionais na consolidação do poder e controle sobre povos e governos, águas, territórios e sementes nos países do sul, além de modificar os modos de vida das comunidades locais, agora tratadas como fornecedoras de “serviços ambientais”. Os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpos (MDL) justificam a construção de hidrelétricas por serem estas classificadas nesta categoria. Não é por acaso que tantas estão sendo construídas, muitas atingindo povos indígenas – como é o caso de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. Ao aceitarem fazer contratos de REDD, as comunidades indígenas obrigam-se a ceder suas florestas por 30 anos, não podendo mais utilizá-las, sob pena de serem criminalizadas. É o “pagador” quem vai definir o que o “recebedor” pode ou não fazer; ficam subordinadas àsgrandes empresas transnacionais e governos internacionais. Esses “contratos de carbono” ferem a Constituição Federal, que garante aos povos indígenas o usufruto exclusivo do seu território. O povo perde a autonomia na gestão de seu território, em troca de ter os recursos naturais integrados ao mercado internacional. Trata-se de um novo momento histórico, absolutamente novo, mas com características vistas em outros momentos: a reterritorialização do capital internacional e desterritorialização dos povos indígenas. Os povos atrelados a tais contratos são transformados em empregados dos ricos, passando da condição de filhos, cuidadores e protetores da Mãe Natureza (Pacha Mama) para a condição de promotores do capital natural, criando-se assim uma nova categoria: operários da indústria do carbono. Para os povos indígenas, a terra é mãe. As árvores são os cabelos, os rios são o sangue que corre em suas veias. Para o ‘capitalismo verde’, os rios são considerados infraestrutura natural e a natureza uma força que precisa ser domada em benefício de um dito progresso, profundamente autofágico, perverso e totalitário. Exemplos de como se dá a relação dos indígenas com a natureza não faltam. Para os Guarani entrarem na floresta, logo de manhã, rezam e pedem ao Nhanderú orientação na direção em que devem caminhar. REDD, PSA transformam a natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a mística em cláusula contratual, o bem estar em supostos ‘benefícios do capital’. É a mercantilização do sagrado e a coisificação das relações humanas em interface com o meio ambiente. É preciso recuperar a memória da humanidade sobre nossos vínculos com a natureza, expresso no Suma Kawsay (Bem Viver). O meio ambiente e as culturas que vivem em harmonia com ela devem ser as bases para o desenvolvimento humano e das sociedades; não um item da economia de mercado. Na convivência com os povos indígenas, percebemos que são eles, com seus conhecimentos e sabedoria, as fontes inspiradoras para um outro tipo de modelo de sociedade onde o ser prevaleça sobre o ter, respeitando e vivendo em harmonia com a natureza. O ‘capitalismo verde’ é sinônimo de neocolonialismo. Em pleno século 21, surgem novos ‘espelhinhos’ – os PSA, o REDD –, lembrando a estratégia usada pelos colonizadores no século 16 para conquistar e destruir os povos indígenas, apoderando-se de seus territórios. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), após analisar a lógica do ‘capitalismo verde’ – dito sustentável – e suas consequências para as populações mais sofridas e exploradas do planeta, em especial os povos indígenas, quer juntar-se aos demais setores organizados que dizem não à financeirização da natureza, não a ‘economia verde’ e não ao mercado de carbono. Luziânia, 3 de fevereiro de 2012. |
Posted: 08 Feb 2012 11:51 AM PST
por Boaventura de Souza Santos*, na Carta MaiorAntes da crise financeira, a Europa foi talvez o continente em que mais se refletiu sobre a gravidade dos prolemas ecológicos que enfrentamos. Toda esta reflexão está hoje posta de lado e parece, ela própria, um luxo insustentável. Disso é prova evidente o modo como foram tratados pela mídia dois acontecimentos das últimas semanas, o Fórum Econômico Mundial de Davos e o Fórum Social Mundial Temático de Porto Alegre. O primeiro mereceu toda a atenção, apesar de nada de novo se discutir nele: as análises gastas sobre a crise europeia e a mesma insistência em ruminar sobre os sintomas da crise, ocultando as suas verdadeiras causas. O segundo foi totalmente omitido, apesar de nele se terem discutido os problemas que mais decisivamente condicionam o nosso futuro: as mudanças climáticas, o acesso à água, a qualidade e a quantidade dos alimentos disponíveis ante as pragas da fome e da subnutrição, a justiça ambiental, os bens comuns da humanidade. Esta seletividade mediática mostra bem os riscos que corremos quando a opinião pública se reduz à opinião que se publica. O Fórum de Porto Alegre visou discutir a Rio+20, ou seja, a Conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável que se realiza no próximo mês de Junho no Rio de Janeiro, 20 anos depois da primeira Conferência da ONU sobre o tema, também realizada no Rio, uma conferência pioneira no alertar para os problemas ambientais que enfrentamos e para as novas dimensões da injustiça social que eles acarretam. Os debates tiveram duas vertentes principais. Por um lado, a análise crítica dos últimos vinte anos e o modo como ela se reflete nos documentos preparatórios da Conferência; por outro, a discussão de propostas que vão ser apresentadas na Cúpula dos Povos, a conferência das organizações da sociedade civil que se realiza paralelamente à conferência intergovernamental da ONU. Nesta crônica centro-me na análise crítica e dedicarei a próxima crônica às propostas. As conclusões principais da análise crítica foram as seguintes. Há 20 anos, a ONU teve um papel importante em alertar para os perigos que a vida humana e não humana corre se o mito do crescimento econômico infinito continuar a dominar as políticas econômicas e se o consumismo irresponsável não for controlado; o planeta é finito, os ciclos vitais de reposição dos recursos naturais estão a ser destruídos e a natureza “vingar-se-á” sob a forma de mudanças climáticas que em breve serão irreversíveis e afetarão de modo especial as populações mais pobres, acrescentando assim novas dimensões de injustiça social às muitas que já existem. Os Estados pareceram tomar nota destes alertas e muitas promessas foram feitas, sob a forma de convenções e protocolos. As multinacionais, grandes agentes da degradação ambiental, pareceram ter ficado em guarda. Infelizmente, este momento de reflexão e de esperança em breve se desvaneceu. Os EUA, então principal poluidor e hoje principal poluidor per capita, recusou-se a assumir qualquer compromisso vinculante no sentido de reduzir as emissões que produzem o aquecimento global. Os países menos desenvolvidos reivindicaram o seu direito a poluir enquanto os mais desenvolvidos não assumissem a dívida ecológica por terem poluído tanto há tanto tempo. As multinacionais investiram para influenciar as legislações nacionais e os tratados internacionais no sentido de prosseguir as suas atividades poluidoras sem grandes restrições. O resultado está espelhado nos documentos preparados pela ONU para a Conferência Rio+20. Neles recolhem-se informações importantes sobre inovações de cuidado ambiental mas as propostas que fazem — resumidas no conceito de economia verde — são escandalosamente ineficazes e até contraproducentes: convencer os mercados (sempre livres, sem qualquer restrições) sobre as oportunidades de lucro em investirem no meio ambiente, calculando custos ambientais e atribuindo valor de mercado à natureza. Ou seja, não há outro modo de nos relacionarmos entre humanos e com a natureza que não seja o mercado. Uma orgia neoliberal. ___ * Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). |
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