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Se o IBAMA não deixa matar as florestas, matemos o IBAMA!
Por Joaquim Maia Neto
A luta em prol de um ambiente equilibrado acaba de sofrer um duríssimo golpe no Brasil. Enquanto as atenções da nação se voltavam para a iminente queda do então ministro dos esportes, Orlando Silva, que viria a ser substituído por Aldo Rebelo, o deputado que contribuiu significativamente na tentativa de permitir a destruição de nossas florestas, o Senado Federal aprovou sorrateiramente na última quarta-feira (26/10) o Projeto de Lei Complementar da Câmara nº 1/2010, que desmonta o aparato federal de fiscalização e controle ambiental.
Enquanto a legislação em vigor considera, para fins de competência para o licenciamento ambiental, o potencial de impacto do empreendimento, bem como a sua localização e o domínio da área, o texto aprovado no Senado desconsidera completamente o grau de impacto. Mesmo que os danos ambientais extrapolem os limites do estado, caso a localização seja restrita à uma unidade da federação, aquele ente federado poderá realizar o licenciamento sem a participação da IBAMA. Se o novo texto estivesse em vigor neste ano, o licenciamento da Usina de Belo Monte, por exemplo, poderia ser feito pelo governo do Pará.
O esvaziamento das atribuições do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA - é outro ponto bastante prejudicial do projeto de Lei Complementar. Este colegiado, que têm ampla representação da sociedade civil, perderia o poder de editar normas ambientais e teria grande parte de suas competências atuais transferidas para as Comissões Tripartites, que são fóruns existentes no âmbito da União, estados e municípios com representação exclusivamente governamental e paritária entre os entes federativos. Isso significa que a regulamentação deixaria de contar com a participação da sociedade e que os governos estaduais e municipais teriam muito mais peso nas decisões normativas.
As autorizações para criação de animais silvestres e para pesquisa científica com os mesmos serão, de acordo com a nova Lei, de competência dos estados. Quase nenhum deles tem estrutura ou pessoal capacitado para cumprir essa atribuição. O resultado será um enfraquecimento na gestão da fauna, abrindo um grande flanco para o tráfico, que já é intenso, e para a biopirataria.
O ponto mais polêmico diz respeito à restrição no poder de polícia do IBAMA, que é a entidade executora da União na área ambiental. Atualmente a competência na fiscalização é concorrente entre União, estados e municípios. Qualquer órgão ou entidade ambiental de qualquer unidade federativa pode autuar em caso de constatação de infrações administrativas de natureza ambiental. Caso o projeto seja sancionado, as instituições terão sua competência restrita à fiscalização daqueles empreendimentos ou atividades para os quais têm competência de licenciamento. O IBAMA perderá o poder de fiscalizar a grande maioria das atividades de significativo impacto ambiental, pois a maioria delas será da alçada dos estados.
Não há como acreditar que o governo não tem interesse nesse desmonte do IBAMA, principalmente quando consideramos as diversas medidas administrativas que vêm sendo tomadas na gestão da autarquia, como a delegação de competências aos estados e o fechamento de vários escritórios regionais, inclusive na Amazônia Legal.
A tramitação
Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), autor do texto aprovado. Fonte: Jornal das Montanhas http://www.jm1.com.br/ |
O projeto original foi apresentado na Câmara em 2003, pelo deputado Sarney Filho (PV-MA) e tinha como objetivo a regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal no que diz respeito às competências dos entes da federação quanto às ações na área ambiental. Era um projeto muito bom que resolveria os conflitos de competência no âmbito do licenciamento ambiental e fortaleceria o poder da União e do CONAMA, sem negligenciar a necessidade de integração dos estados e municípios como membros do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA. Ocorre que a matéria foi completamente desfigurada por uma emenda global apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que foi aprovada em dezembro de 2009, numa manobra política que se aproveitou da ausência de vários deputados da frente ambientalista que participavam da 15ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), em Copenhagen, inclusive o próprio Sarney Filho. A emenda foi subscrita também por José Genoíno, à época deputado pelo PT-SP e pelo ministro da agricultura, Mendes Ribeiro Filho, que na ocasião cumpria mandato de deputado pelo PMDB-RS, e foi relatada por Geraldo Pudim, que exercia o mandato pelo PMDB-RJ. Claramente uma articulação governista.
Em janeiro de 2010 o projeto foi encaminhado ao Senado, onde houve intensa articulação do Governo para que a tramitação acontecesse com celeridade. O então ministro das relações institucionais, Alexandre Padilha, se empenhou pessoalmente para que fosse dada prioridade à proposição. Dilma Rousseff, então ministra da casa civil, tinha interesse em romper obstáculos junto ao IBAMA para acelerar as obras do PAC. Em maio deste ano o Senado aprovou a tramitação em regime de urgência, o que viabilizou a votação na semana passada. O texto aprovado no Senado é praticamente o mesmo votado na Câmara e seguirá agora para sanção presidencial.
O placar da votação no Senado foi amplamente favorável à aprovação do projeto, com 49 votos a favor, sete contrários e uma abstenção. Votaram contra o retrocesso ambiental apenas os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Lindberg Farias (PT-RJ), Jorge Viana (PT-AC), Anibal Diniz (PT-AC), Roberto Requião (PMDB-PR), Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Paulo Davim (PV-RN).
Senadora Kátia Abreu (PSD-TO), relatora na CCJ do Senado. Fonte: http://www.centrodeestudosambientais.wordpress.com/ |
A relatoria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) coube à maior expoente da turma da motosserra, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que rejeitou três emendas apresentadas pela ex-senadora Marina Silva, que visavam resguardar as competências da União e impedir que a Lei viabilizasse aumento nos índices de desmatamento. Por tramitar em regime de urgência não houve relatório das comissões de meio ambiente e agricultura. O parecer foi feito em plenário pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR).
As consequências da aprovação e sanção do projeto
Salvo raríssimas exceções, os órgãos e entidades ambientais estaduais e municipais são muito mais suscetíveis à ingerência política do que os federais. Em geral têm estrutura precária, poucos servidores, baixa remuneração de seus quadros e muitos comissionados em funções de natureza técnica. Por esse motivo, é comum haver, por parte do Ministério Público, a judicialização de vários processos de licenciamento estaduais, visando deslocar a competência para a União, para que haja maior isenção. Não é à toa que a bancada ruralista prefere tirar poder do IBAMA, concentrando-o nos estados. Fiscais estaduais e municipais têm maior dificuldade em se desvencilhar de pressões por parte do poder econômico, pois estas têm repercussões políticas que podem culminar em represálias funcionais, o que é raro acontecer na esfera federal.
Em geral, governadores e prefeitos se comprometem durante as campanhas eleitorais com empresários que têm interesse em empreendimentos que dependem de licenças ambientais e estão sujeitos à fiscalização. A proximidade dessas autoridades com o corpo técnico é um elemento facilitador de interferências que levam ao distanciamento do interesse público.
O cenário futuro, com a entrada em vigor da nova Lei, remete a um quadro de afrouxamento das exigências de natureza mitigadora nos empreendimentos, flexibilização nos critérios de aprovação de obras impactantes e emissão de licenças e autorizações sem considerar alternativas técnicas e locacionais que resguardem a segurança ambiental em atendimento ao princípio da precaução.
Um grande prejuízo para o Brasil será, sem qualquer dúvida, o avanço no desmatamento da Amazônia, com o consequente aumento de nossas emissões atmosféricas de carbono. A competência para autorização de supressão de vegetação será, como é hoje, dos estados, exceto nos casos de florestas públicas de domínio da União. Como o IBAMA não tem a competência para autorizar as supressões, não poderá fiscalizar os desmatamentos. Alguém imagina que o estado do Amazonas, cujo governo em 2009 patrocinou cárcere privado contra servidores do Instituto Chico Mendes para impedi-los de fiscalizar madeireiros, venha a combater desmatamentos? Ou que o Pará, do senador Flexa Ribeiro, correligionário do governador, que diz que “o IBAMA quer parar o Brasil”, desenvolva operações para conter a devastação de suas matas? Ou ainda que o Mato Grosso, cujo governo tem grande interesse na expansão das áreas ocupadas por soja, puna agricultores que ocupam as margens dos rios provocando seu assoreamento?
Às vésperas da natimorta Rio + 20, o Brasil sinaliza para a comunidade internacional que não tem qualquer compromisso com a proteção de suas florestas e vira as costas para seu futuro de país megadiverso e para as gerações vindouras que sofrerão as consequências.
De maneira hipócrita, o deputado Paulo Teixeira, um dos autores do texto ambientecida, afirma agora que cobrará do governo o veto ao artigo que reduz poderes do IBAMA. Tomara que, ainda que tardiamente, se redima e convença a presidente a vetar mais essa apunhalada que nossos parlamentares covardemente dão na sociedade que os mantém. Se não for por convicção, que ela ao menos o faça para não passar vergonha na Rio + 20, uma vez que, como anfitriã, deverá convencer o mundo de que temos responsabilidade.
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