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Cozinha pantaneira reconquista seu lugar no coração do Brasil
A matéria-prima dá em cachos no alto das palmeiras ou rente ao chão. Mas para chegar a essas delícias silvestres, a viagem é longa.
Mãos calejadas pelo trabalho na roça e mãos treinadas para buscar respostas. A matéria-prima dá em cachos no alto das palmeiras ou rente ao chão. Mas para chegar a essas delícias silvestres, a viagem é longa.
Seguimos o caminho das águas pelo rio Paraguai. Nosso destino é a Serra do Amolar. O Globo Repórter está na fronteira com a Bolívia, bem na divisa dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a 250 quilômetros de Corumbá. Mais de sete horas de barco, subindo o rio.
Uma serra ao longe é uma barreira natural: represa da água que desce lentamente pela planície. Toda essa viagem tem um objetivo: os professores da Universidade Federal estão em busca dos alimentos nativos. Eles têm uma certeza: frutas e sementes típicas deste interior do Brasil são ricas em fibras e nutritivas. Talvez sejam a receita ideal para a culinária equilibrada necessária para quem quer se manter saudável sem brigar com a balança.
“É um produto natural, orgânico, sem o uso de inseticida, e ainda tem uma marca registrada de ser nativo”, explica o biólogo Geraldo Damasceno Jr, da UFMS.
“A coisa mais gostosa que existe é o sabor pantaneiro”, elogia Irene.
A nossa primeira parada foi na casa da dona Irene, ao mesmo tempo um ponto de apoio e uma fonte de pesquisa. Quem mais conheceria tão bem os alimentos do pantanal, como o acuri?
“Eu faço farinha, eu faço mingau com leite, eu ponho no peixe para comer. É a coisa mais deliciosa que tem”, garante dona Irene.
A bocaiuva amadurece entre maio e novembro. É só catar os cocos maduros que caem dos cachos. Agora, um detalhe: tem que esperar cair do pé, porque a palmeira tem um espinho que torna impossível subir. Dona Irene alerta que é perigoso.
O acuri também é fácil de colher. O sabor é inesquecível. “Tem gosto de manga, mas de uma manga de vez que não amadureceu ainda”, define a repórter Cláudia Gaigher.
Mas para fazer farinha tem de cozinhar os cocos, descascar e deixar secando ao sol. Só depois de seca a polpa vai para o pilão.
Doutores levaram para o laboratório amostras de mais de 50 frutas, raízes e folhas do cerrado e do pantanal. Preparam um livro com receitas para as populações tradicionais, para que todos saibam como usar esses ingredientes.
“São frutos da região deles, que não precisa pagar. É de graça para eles”, conta a professora Roseli de Pinho Lima.
O bolo de jatobá com fubá é uma boa opção para quem precisa de cálcio. Importante: a farinha de jatobá tem seis vezes mais cálcio e fibras do que a farinha de trigo.
Depois de testar todas as receitas no laboratório, os pesquisadores sempre voltam às regiões pantaneiras. Na região da Barra de São Lourenço, onde a cidade mais próxima fica a um dia e meio de viagem, eles montaram uma oficina de culinária para as crianças. Estão apresentando às novas gerações esses sabores pantaneiros.
A farinha de bocaiuva é rica em magnésio, cobre e a cor é sinal de presença de carotenoides.
“É o caso do betacaroteno, que tem muito na cenoura, que também confere bastante vitamina A. A deficiência de vitamina A causa alguns problemas de cegueira”, avisa o químico José Antônio Braga Neto.
As crianças aprendem a fazer bolo e os adultos a fazer farinhas nutritivas. A dona de casa Irene Gresosti está vendendo para várias pessoas.
De catadora de iscas a comerciante de produtos naturais, Lorena Aires de Souza ganhou sabedoria e uma nova profissão lucrativa.
“Com o conhecimento da farinha de jatobá e acuri, a gente pode, com os filhos, fazer para vender e também para os meus filhos”, explica.
Mas nenhum alimento tem chamado mais atenção do que o arroz vermelho. Sumiu das mesas pantaneiras e desembarcou - quem imaginaria - na Europa.
“Fizeram um evento na Itália e nos convidaram. Nós levamos o arroz. Foi muito bem recebido”, aponta Geraldo.
É um grão nativo, totalmente ecológico, colhido sem agressão ao meio ambiente.
“Esse arroz era conhecido pelos povos que viveram no pantanal no passado, mas as populações que vivem aqui hoje não usam mais”, ressalta a bióloga Ieda Maria Bortolotto.
Que descoberta! Na cozinha rudimentar, as mulheres reaprendem a lidar com esse tesouro da região. Agora, o desafio é levar essa receita tradicional quase esquecida para outras comunidades. A cozinha pantaneira reconquista o seu lugar no coração do Brasil.
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