quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

O dia em que São Paulo voltou a respirar 2013

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O dia em que São Paulo voltou a respirar 2013

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Em três relatos, a grande marcha pela desmercantilização do transporte, a brutalidade policial e uma pergunta: “quem quer botar fogo na floresta”?
Por Pablo OrtelladoLeonardo Sakamoto Marie Leclerc | Imagem de Capa: Mídia Ninja

I.
Considerações sobre as manifestações de 9 de Janeiro, em São Paulo
Por Pablo Ortellado, em seu perfil no Facebook
* O aumento: o aumento das passagens de ônibus em muitas cidades, mas sobretudo em São Paulo é um inequívoco desafio ao legado de junho. É uma aposta arriscada de que os protestos de junho não foram motivados pelo preço das passagens (como disse explicitamente o prefeito Haddad em entrevista ao El País) e que a capacidade de mobilização popular demonstrada em 2013 não pode ser repetida.
TEXTO-MEIO
> Acompanhe: a marcha segue reivindicante e serena até o momento 2m30s. Então, a PM ataca

* Adesão: com quase 50 mil pessoas confirmadas no Facebook, a manifestação reuniu um número muito maior de pessoas do que o esperado. O MPL estimou no começo o número em 10 mil, depois 15 mil e no final do percurso em 30 mil manifestantes. A PM estimou em 5 mil. A rede Globo, no Jornal Nacional, estimou 2 mil pessoas. Minha estimativa pessoal é de 15 mil pessoas e posso afirmar que havia mais gente hoje do que na manifestação do dia 13 de junho de 2013. Os manifestantes eram formados principalmente por estudantes — universitários e secundaristas e muitos secundaristas da periferia.
* Ação da polícia: a PM obviamente substimou a capacidade de mobilização do MPL destacando uma quantidade muito insuficiente de policiais para fazer o acompanhamento, como havia prometido. No entanto, ela parecia ter recebido ordens para impedir o acesso à Paulista (destino combinado na assembléia que precedeu o ato). Uns cem metros à frente da manifestação, já na Avenida Paulista, um grupo pequeno de jovens que estavam desgarrados do grupo maior se envolveu num incidente (não encontrei testemunhas, então não sei relatar o que aconteceu) e a polícia arremessou bombas de concussão (as bombas que soltam estilhaços e que a PM cinicamente chama “de efeito moral”) e efetuou prisões. O grupo estava tão longe da manifestação que de lá não podíamos ouvir ou perceber o que havia acontecido. O MPL, no entanto, foi alertado e segurou a manifestação na Consolação, cem metros antes da Paulista, até a situação se acalmar. Neste momento, sem qualquer motivo ou aviso, a PM começou um ataque irresponsável e gratuito de bombas de concussão e bombas de gás lacrimogênio, gerando feridos pelos estilhaços e por pisoteamento. Os manifestantes fugiram enquanto eram alvejados por bombas nas ruas paralelas à Consolação: na Angélica, na Bela Cintra, na Augusta. Há dezenas de presos e muitos feridos.
* Perspectivas da luta: A campanha contra o aumento em São Paulo começou num nível muito alto de mobilização. Em 2013, foram preciso 5 atos para se chegar nesse nível, o que mostra um acúmulo de força organizativa e sobretudo legitimidade de convocação. O aumento simultâneo de passagens em diversas capitais do país, também favorece a coordenação e intensificação recíproca da luta que pode gerar um sentimento nacional de revolta contra a mercantilização da mobilidade urbana. A luta agora é para confirmar o legado de 2013, quando 70% dos habitantes das médias e grandes cidades tiveram revogado o aumento das passagens. Como diz o chamado do MPL, agora é de 3 reais para baixo. Não estamos começando do zero, nem andando em círculos — partimos de um patamar mais alto.

II.
Pôr fogo na floresta inteira?Por Leonardo Sakamoto, em seu perfil no Facebook
Ato final do protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trens em São Paulo: A polícia militar usou tiro de canhão para acertar passarinho.
Um pequeno grupo provocou os policiais, espalhou lixo e bateu nas portas das lojas.
Eles, que teoricamente deveriam ser treinados para reagir de forma controlada nessas situações, responderam com gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha, atingindo a manifestação – que seguia pacífica – e assustando pessoas que nem participavam da marcha.
Daí, tudo descambou.
Não vou dizer que não mudou nada de 2013 para cá porque, pelo jeito, estão com estoque renovado desses armamentos.
Mas não me sai da cabeça a sensação de que fazem isso não para atingir o passarinho, mas para pôr fogo na floresta inteira.

III.
Polícia paulista: saudades da Jornadas de Junho?
Por Marie Leclercq, com imagens de Felipe Larozza, na Vice
Estavam com saudades das Jornadas de Junho? A PM também estava, tanto é que levou mais de 50 pessoas (até a última confirmação da Polícia Militar às 21:30) em detenção e soltou muito gás lacrimogênio e bomba de efeito moral para comemorar.
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Antes de explodir a merda toda, o protesto desta sexta-feira (9), que foi primeiro ato do MPL em 2015 contra o aumento de R$ 0,50 para ônibus, metrô e trens na capital paulista, começou tranquilo na concentração no Teatro Municipal. Uma assembleia foi realizada pela organização para decidir o trajeto e ficou combinado seguir pela República, subir a Consolação e terminar na Praça do Ciclista, no final da Avenida Paulista.
Tinha muita, muita polícia. E como prometido, eles se organizaram para fazer um sanduíche gostoso onde a Choque era o pão e a manifestação a carne batida. Li em algum lugar que isso se chama “envelopamento”. Fez sentido na hora. A polícia informou que 800 PMs a pé fariam o cerco, com mais de uma centena de integrantes da “tropa do braço”. A polícia estimava 2.000 manifestantes, o MPL aventou um total de 30.000 (!) e eu chutei uns 5.000 – mas me perdoem, sou de humanas e não sei fazer cálculos.
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Subirmos sem nenhum stress pela Ipiranga. Tinha gente até entrando e saindo pelo cordão da Choque e os caras só faziam vista grossa. Uma repórter gente fina me avisou que estavam revistando um pessoal perto do Shopping Light, mas não vi nada.
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A partir do momento entramos na Consolação, comecei a perceber que o cordão ficava cada vez mais apertado e quem chegava perto da Tática levava um empurrão de escudo em troca. Levei um de brinde também, mas não foi nada grave. Era um saco ficar dentro do sanduíche, por isso dei um jeito de sair e dar um rolê com o pessoal da imprensa.
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Muita gente achou também um saco também e saiu do cordão e começou a andar na frente da faixa do MPL. Até que a via da avenida, sentido Centro, foi tomada e todo mundo começou a andar entre os carros, que buzinavam (de vidro fechado) em resposta. Lembrei do Heudes, representante do MPL, explicando para mim na concentração porque eles não foram para a reunião com a PM antes do protesto. “A polícia soltou uma matéria dizendo que estaria aqui que iriam envelopar o ato e por que nós teríamos que dialogar se a presença deles já é uma repressão?”
Para vocês terem uma ideia, era tanta gente para fora do sanduíche que a faixa do MPL começou ficar bastante para trás. Quem tomava o front era um monte de moleque anarco, antifa e black blocs.
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Por voltas das 19:20, na altura do cemitério, essa turma começou a jogar lixo na rua para botar fogo, mas a PM conseguia dar uma dispersada sem muito stress. Até que a primeira bala estourou, por volta das 19:29. Segundo relatos, tacaram uma pedra em uma viatura da Força Tática. Vi uma galera chutando as portas das lojas e literalmente pedindo o sangue da polícia. Depois da primeira bala de borracha, fodeu.
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Olhando para cima da avenida, só dava para ver uma fileira do Choque e, olhando para baixo, era a mesma coisa, somando com as viaturas. Um moleque que estava bem do meu lado, tapando a cara com uma camiseta, tomou um abraço do tamanduá no pescoço e foi engolido por uma porrada de polícia. Nosso fotógrafo Felipe Larozza falou que provavelmente era por causa do anonimato.
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Uma parte do pessoal pegou a Matias Aires e correu pra Augusta, outra parte correu pela Maceió e pegou a Angélica. Deu ruim dos dois lados, eu consegui levar de brinde a imagem (e o cheiro, apesar da máscara) de muitas bombas de gás lacrimogêneo vindo na minha direção e a mira de um monte de arma. Corri para a Matias Aires e vi mais gás rolando e a polícia atirando indiscriminadamente. “Vai jogar na imprensa, caralho?”, um fotógrafo berrou.
Muita gente estava sentada no chão com uma muralha de polícia em volta. Alguns manifestantes berravam “vocês também pegam ônibus, vocês deveriam estar do outro lado”.
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O Larozza correu para o outro lado e ganhou em troca a ROCAM seguindo ele, junto com outros fotógrafos. Um dos fotógrafos levou um cassetete de presente nas costas. Quando saí da Matias Aires, me vi de novo cercada pela polícia. O cheiro era horrível e conseguia me fazer lacrimejar mesmo com máscara e óculos. Um maluco passou correndo por mim com uma armadura preta, tirando foto enlouquecidamente. Invejei esse cara e resolvi seguir pela Angélica para tentar chegar até a Paulista.
A Avenida Angélica estava tranquila, mas reinava o cheiro ruim de gás com notas de lixo queimado. Um banco tinha o vidro pichado com um “3,50 Não”, algumas pessoas que não tinham nada a ver com o tumulto corriam desesperadas. A treta já tinha rolado, mas vi uns caras sendo enquadrados por uma viatura da Força Tática.
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Só consegui ver que tinham quebrado o vidro do Santander na Avenida Angélica, mas depoispublicaram que as concessionárias Toyota e Kia e mais algum banco rodaram e levaram pedra.
O protesto dispersou de uma maneira tão eficiente (obrigada pelo deja vu do 4º Ato de 2013, Alckmin), que quando cheguei na Paulista ainda tinha muita polícia, com algumas dezenas de gatos pingados decidindo que lado dava para ir sem tomar bala ou gás da polícia. Apertei mais o passo, meu destino agora era ver o que estava acontecendo na Rua Peixoto Gomide.
Nosso colega que mora lá viu tudo de camarote. Uns manifestantes fizeram umas barricadas e aquilo lotou de polícia em questão de segundos. Foi tão rápido que quando finalmente cheguei na rua, não tinha mais nada, só a Cavalaria da PM de longe.
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Embora o clima ser uma merda, a Paulista seguia tão normal que nem parecia que tinha acontecido alguma coisa. Exausta, sentei perto do vão do MASP para fumar um cigarro. Nunca tinha corrido da polícia na minha vida.
Recebia informações do meu editor, do Larozza e dos meus colegas. Jogaram bomba de gás no metrô Consolação, botaram fogo em um ônibus na Rua Bahia e o bicho pegou pra quem foi pro lado dos Jardins. Tudo isso. Comecei a andar de volta para a Consolação e consegui pegar uma concentração às 20:50 na frente da Estação Paulista. Todo mundo parecia bem puto, eu também estava puta pra caralho pelo fato de a manifestação não ter chegado na Paulista. Estava muito perto quando a polícia começou a brincar.
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Antes de encerrar os trabalhos, consegui encontrar o Heudes de novo para trocar uma ideia rápida sobre o que tinha rolado em apenas uma hora. “O ato foi grande e a polícia apareceu em massa, mas novamente a Polícia (…) intimidou a população com armas e muita repressão.”
“(O envelope) atrapalhou bastante, a manifestação não conseguia se mexer e ninguém conseguia entrar ou sair. Até eu não consegui entrar em uma hora,” explicou.
O próximo passo agora é o dia 16, no mesmo horário, na Praça do Ciclista. Depois da merda generalizada que rolou com a PM e a quantidade de gente puta da vida indo pra casa, botei fé nos caras: “dia 16 vai ser maior”.

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