O
que se espera da Rio+20?
Jean Pierre
Leroy
Mestre
em educação. Consultor da Fase – Solidariedade e Educação. Foi membro da
Coordenação do Fórum brasileiro de Movimentos Sociais e ONGs para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento na época da Rio 92. Autor de “Territórios do
Futuro. Educação, meio ambiente e ação coletiva” (ed. Lamparina).
A
Rio+20 realiza-se em um contexto particularmente adverso, tanto mundial quanto
localmente. Ascensão econômica da China, conflitos no Oriente Médio, crises nos
países europeus e na União Européia, eleições em vários países e em especial
nos EUA, fim de um ciclo de expansão do capital fazem com que tanto os
detentores do poder político e econômico quanto as sociedades humanas estejam
em geral mais preocupados com o dia-a-dia e com um futuro em que a segurança, a
manutenção dos privilégios de uma vida razoavelmente confortável ou a busca
incessante para alcançar o “desenvolvimento” pesam muito mais do que um
possível colapso das bases materiais deste desenvolvimento. Localmente, dois
exemplos podem nos mostrar quão longe estamos de um debate de fundo. Tanto a
construção da barragem hidroelétrica de Belo Monte quanto a votação pela Câmara
do Código Florestal, mesmo que a Presidenta Dilma venha a vetar alguns artigos,
colocam a questão socioambiental no seu verdadeira lugar, ou seja, próximo de
zero. O meio ambiente não pode frear o crescimento: produção e exportação de
commodities e produção de energia (qual e como) não podem ser questionadas.
Este
quadro não permite criar ilusões. Gravíssimos problemas ambientais se avolumam
e ameaçam grandes áreas e setores da humanidade de colapso num horizonte de
tempo bastante curto. Não é só o clima que está em jogo, mas a biodiversidade,
as águas doces, os desertos, os solos, a alimentação, a moradia, etc.,
combinados numa dinâmica perversa em que múltiplas crises setoriais alimentam
umas a outras e geram uma única crise de proporções ainda insuspeitas. Soma-se
o aprofundamento e uma nova face da desigualdade, pois nem todos estão e estarão
afetados por igual pela crise ambiental e pelo modo como o crescimento impacta
territórios e comunidades. A percepção das ameaças e das tragédias em curso não
foi ainda suficiente para criar um senso de urgência tão premente que provoque
discussões e decisões efetivas sobre as questões de fundo. O filósofo Hans
Jonas apelava à “heurística do medo”; e ainda não temos suficiente compreensão
e medo do futuro!
Por
essas considerações, não deveríamos ter muita expectativa. Haverá outras saídas
do que esperar catástrofes se avolumarem e o medo se apoderar de nós?
O Pnuma propus uma Rio+20 voltada para a economia verde. Intenção
louvável se fosse possível disciplinar o capitalismo. È certo que a Conferência
será mais uma oportunidade para muitos empresários se conscientizar das suas
responsabilidades e buscar melhorias nos seus produtos e métodos de produção,
para além do greenwashing. Não é desprezível, mas lá não é o fundo da
questão. O capitalismo vive de crises às quais ele responde em especial com
inovaçôes. O geógrafo David Harvey, no seu último livro, “O enigma do capital”,
estima que “um candidato mais provável para a próxima onda de inovação reside
na engenharia biomédica e genética” e nas tecnologias verdes. Vale, portanto,
lembrar que, se as grandes corporações investem na economia verde e na Rio+20,
não é para salvar o planeta e erradicar a pobreza, mas para assegurar a sua
sobrevivência.
Eventos
e processos tão díspares na aparência como as crises econômico-financeiras que
sacudiram os EUA e hoje assolam a UE; o desenvolvimentismo e o “crescimentismo”
que impere nos países ditos emergentes; as Conferências periódicas das
Nações-Unidas que dão seqüência à Convenção do Clima elaborada na Rio 92; o draft zero preparado pelo Pnuma para
começar a orientar a Conferência oficial mostram bem como governos e aparelhos
da ONU colocam-se ao serviço do capital. No entanto, eles não formam um bloco
unido e há de se esperar que sejam colocadas na mesa questões como o papel dos
Estados, a sua responsabilidade frente aos cidadãos de hoje e do futuro, a
igualdade e a justiça (apesar de que a alusão a direitos tenha sumida da pauta
e dos documentos oficiais) e ações de alguns paises que não estão esperando
impossíveis consensos para avançar. Dirão: palavras e papeis ao vento que não
mudam nada e não engajam. É verdade, mas é sobre isso que as lutas futuras da
sociedade mundial e as possibilidades de avanço poderão se apoiar, seja para
cobrar, polemizar ou se contrapor. Pode se esperar que seja resgatado por
alguns governos o papel insubstituível dos órgãos públicos, nacionais e
internacionais, para além das funções rasteiras às quais estão sendo reduzidos
com demasiada freqüência. A criação que está sendo debatida de um novo órgão
e/ou Conselho das Nações Unidas que tenha mais força do que um simples
programa, como é o Pnuma, e permita tratar conjuntamente as questões
ambientais, sociais e econômicas, é bem vinda. Por si mesma, ela mostra quanto
caminho foi percorrido desde 1992. No entanto, continuará a semi-paralisia do
sistema, já que o poder nas Nações Unidas é concentrado no Conselho de
Segurança.
Nestas
condições, não é de se admirar que a quase totalidade das vozes, oficiais ou
não, que se expressam salienta o papel insubstituível da sociedade civil nesse
processo. Entre os numerosos eventos previstos, destaca-se a “Cúpula dos povos
por justiça ambiental e social. Contra a mercantilização da vida e em defesa
dos Bens comuns”, contrapeso radical à Conferência oficial e à pretensão de
esta economia, mesmo que revestida de verde, ser a salvadora do planeta. As
coisas pioraram desde as Convenções e a Agenda 21 da Rio 92. O que faz
acreditar que desta vez será diferente? Um grande número de organizações se
reconhece no nome dado à Cúpula. Ela se apresenta como um protesto às
pretensões da economia dominante querer invadir todos os espaços da vida e
resolver os impasses ambientais unicamente pelas tecnologias, mas também como uma
afirmação da primazia dos direitos, quando inúmeros exemplos mostram que são os
pobres, trabalhadores, etnias e comunidades de cor, moradores de áreas de
risco, periferias e entorno de fábricas, etc. os mais atingidos pelo modelo de
produção e que sofrem mais de injustiça ambiental. Quer mostrar também que outra economia é
possível, ao tomar como referência a existência de bens comuns que escapam ao
mercado capitalista e mostrar múltiplas alternativas que estão sendo
geridas.
Os
organizadores desta Cúpula não nutrem ilusões sobre o seu impacto, pois os
recursos financeiros que têm são totalmente insuficientes para trazer muita
gente e realizar um evento marcante; os meios de comunicação não lhe darão
muita importância; afora a unidade ao redor de algumas grandes linhas, reúne
tantos setores sem o hábito de se encontrar que certa cacofonia é inevitável.
E, sobretudo, o capital moral que eles detêm não pode (e nem conseguiria) se
transformar em poder que lhes permita dar conseqüências concretas e maciças às
suas propostas. O governo brasileiro está promovendo logo antes da Conferência
um evento chamado “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável” que vai juntar
pessoas dos diferentes setores da sociedade, do empresariado, da academia e de
órgãos públicos. A metodologia adotada enquadra os participantes num esquema
extremamente rígido. Por considerar que não há abertura ao diálogo, os
organizadores da Cúpula dos povos recusaram o convite para esse simulacro de
participação.
Por tudo isso, esta Cúpula é pensada como um
momento dentro de um processo. Há de se esperar que permita avançar em duas
direções: a primeira, interna, de construção de convergências entre movimentos
e organizações da sociedade civil mundial e produção de um mínimo de
diagnósticos e propostas comuns, que façam com que todas e todos se reconheçam
engajados pelo programa condensado na denominação da Cúpula; e a segunda, de
comunicação e mobilização, que faça com que as e os cidadãos do mundo – que
tenham ou não responsabilidades sociais, econômicas ou políticas - percebam com
mais clareza o que está em jogo. Não se trata de uma queda de braço entre
“ambientalistas” e o setor produtivo, mas de um embate entre os que ficam cegos
por interesses de curto prazo ou pela ilusão prometéica sobre a capacidade
humana em resolver todos os problemas que se apresentam e os que buscam pensar
e construir um futuro para a humanidade, que não rompa nossas âncoras com o
planeta e a história e com o ideário da igualdade e da justiça.
Rio,
5 de maio de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário