terça-feira, 29 de maio de 2012

O que se espera da Rio+20?




O que se espera da Rio+20?

Jean Pierre Leroy

Mestre em educação. Consultor da Fase – Solidariedade e Educação. Foi membro da Coordenação do Fórum brasileiro de Movimentos Sociais e ONGs para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento na época da Rio 92. Autor de “Territórios do Futuro. Educação, meio ambiente e ação coletiva” (ed. Lamparina).

A Rio+20 realiza-se em um contexto particularmente adverso, tanto mundial quanto localmente. Ascensão econômica da China, conflitos no Oriente Médio, crises nos países europeus e na União Européia, eleições em vários países e em especial nos EUA, fim de um ciclo de expansão do capital fazem com que tanto os detentores do poder político e econômico quanto as sociedades humanas estejam em geral mais preocupados com o dia-a-dia e com um futuro em que a segurança, a manutenção dos privilégios de uma vida razoavelmente confortável ou a busca incessante para alcançar o “desenvolvimento” pesam muito mais do que um possível colapso das bases materiais deste desenvolvimento. Localmente, dois exemplos podem nos mostrar quão longe estamos de um debate de fundo. Tanto a construção da barragem hidroelétrica de Belo Monte quanto a votação pela Câmara do Código Florestal, mesmo que a Presidenta Dilma venha a vetar alguns artigos, colocam a questão socioambiental no seu verdadeira lugar, ou seja, próximo de zero. O meio ambiente não pode frear o crescimento: produção e exportação de commodities e produção de energia (qual e como) não podem ser questionadas.

Este quadro não permite criar ilusões. Gravíssimos problemas ambientais se avolumam e ameaçam grandes áreas e setores da humanidade de colapso num horizonte de tempo bastante curto. Não é só o clima que está em jogo, mas a biodiversidade, as águas doces, os desertos, os solos, a alimentação, a moradia, etc., combinados numa dinâmica perversa em que múltiplas crises setoriais alimentam umas a outras e geram uma única crise de proporções ainda insuspeitas. Soma-se o aprofundamento e uma nova face da desigualdade, pois nem todos estão e estarão afetados por igual pela crise ambiental e pelo modo como o crescimento impacta territórios e comunidades. A percepção das ameaças e das tragédias em curso não foi ainda suficiente para criar um senso de urgência tão premente que provoque discussões e decisões efetivas sobre as questões de fundo. O filósofo Hans Jonas apelava à “heurística do medo”; e ainda não temos suficiente compreensão e medo do futuro!

Por essas considerações, não deveríamos ter muita expectativa. Haverá outras saídas do que esperar catástrofes se avolumarem e o medo se apoderar de nós?                                                                                               O Pnuma propus uma Rio+20 voltada para a economia verde. Intenção louvável se fosse possível disciplinar o capitalismo. È certo que a Conferência será mais uma oportunidade para muitos empresários se conscientizar das suas responsabilidades e buscar melhorias nos seus produtos e métodos de produção, para além do greenwashing. Não é desprezível, mas lá não é o fundo da questão. O capitalismo vive de crises às quais ele responde em especial com inovaçôes. O geógrafo David Harvey, no seu último livro, “O enigma do capital”, estima que “um candidato mais provável para a próxima onda de inovação reside na engenharia biomédica e genética” e nas tecnologias verdes. Vale, portanto, lembrar que, se as grandes corporações investem na economia verde e na Rio+20, não é para salvar o planeta e erradicar a pobreza, mas para assegurar a sua sobrevivência.

Eventos e processos tão díspares na aparência como as crises econômico-financeiras que sacudiram os EUA e hoje assolam a UE; o desenvolvimentismo e o “crescimentismo” que impere nos países ditos emergentes; as Conferências periódicas das Nações-Unidas que dão seqüência à Convenção do Clima elaborada na Rio 92;  o draft zero preparado pelo Pnuma para começar a orientar a Conferência oficial mostram bem como governos e aparelhos da ONU colocam-se ao serviço do capital. No entanto, eles não formam um bloco unido e há de se esperar que sejam colocadas na mesa questões como o papel dos Estados, a sua responsabilidade frente aos cidadãos de hoje e do futuro, a igualdade e a justiça (apesar de que a alusão a direitos tenha sumida da pauta e dos documentos oficiais) e ações de alguns paises que não estão esperando impossíveis consensos para avançar. Dirão: palavras e papeis ao vento que não mudam nada e não engajam. É verdade, mas é sobre isso que as lutas futuras da sociedade mundial e as possibilidades de avanço poderão se apoiar, seja para cobrar, polemizar ou se contrapor. Pode se esperar que seja resgatado por alguns governos o papel insubstituível dos órgãos públicos, nacionais e internacionais, para além das funções rasteiras às quais estão sendo reduzidos com demasiada freqüência. A criação que está sendo debatida de um novo órgão e/ou Conselho das Nações Unidas que tenha mais força do que um simples programa, como é o Pnuma, e permita tratar conjuntamente as questões ambientais, sociais e econômicas, é bem vinda. Por si mesma, ela mostra quanto caminho foi percorrido desde 1992. No entanto, continuará a semi-paralisia do sistema, já que o poder nas Nações Unidas é concentrado no Conselho de Segurança. 

Nestas condições, não é de se admirar que a quase totalidade das vozes, oficiais ou não, que se expressam salienta o papel insubstituível da sociedade civil nesse processo. Entre os numerosos eventos previstos, destaca-se a “Cúpula dos povos por justiça ambiental e social. Contra a mercantilização da vida e em defesa dos Bens comuns”, contrapeso radical à Conferência oficial e à pretensão de esta economia, mesmo que revestida de verde, ser a salvadora do planeta. As coisas pioraram desde as Convenções e a Agenda 21 da Rio 92. O que faz acreditar que desta vez será diferente? Um grande número de organizações se reconhece no nome dado à Cúpula. Ela se apresenta como um protesto às pretensões da economia dominante querer invadir todos os espaços da vida e resolver os impasses ambientais unicamente pelas tecnologias, mas também como uma afirmação da primazia dos direitos, quando inúmeros exemplos mostram que são os pobres, trabalhadores, etnias e comunidades de cor, moradores de áreas de risco, periferias e entorno de fábricas, etc. os mais atingidos pelo modelo de produção e que sofrem mais de injustiça ambiental.  Quer mostrar também que outra economia é possível, ao tomar como referência a existência de bens comuns que escapam ao mercado capitalista e mostrar múltiplas alternativas que estão sendo geridas. 

Os organizadores desta Cúpula não nutrem ilusões sobre o seu impacto, pois os recursos financeiros que têm são totalmente insuficientes para trazer muita gente e realizar um evento marcante; os meios de comunicação não lhe darão muita importância; afora a unidade ao redor de algumas grandes linhas, reúne tantos setores sem o hábito de se encontrar que certa cacofonia é inevitável. E, sobretudo, o capital moral que eles detêm não pode (e nem conseguiria) se transformar em poder que lhes permita dar conseqüências concretas e maciças às suas propostas. O governo brasileiro está promovendo logo antes da Conferência um evento chamado “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável” que vai juntar pessoas dos diferentes setores da sociedade, do empresariado, da academia e de órgãos públicos. A metodologia adotada enquadra os participantes num esquema extremamente rígido. Por considerar que não há abertura ao diálogo, os organizadores da Cúpula dos povos recusaram o convite para esse simulacro de participação.

 Por tudo isso, esta Cúpula é pensada como um momento dentro de um processo. Há de se esperar que permita avançar em duas direções: a primeira, interna, de construção de convergências entre movimentos e organizações da sociedade civil mundial e produção de um mínimo de diagnósticos e propostas comuns, que façam com que todas e todos se reconheçam engajados pelo programa condensado na denominação da Cúpula; e a segunda, de comunicação e mobilização, que faça com que as e os cidadãos do mundo – que tenham ou não responsabilidades sociais, econômicas ou políticas - percebam com mais clareza o que está em jogo. Não se trata de uma queda de braço entre “ambientalistas” e o setor produtivo, mas de um embate entre os que ficam cegos por interesses de curto prazo ou pela ilusão prometéica sobre a capacidade humana em resolver todos os problemas que se apresentam e os que buscam pensar e construir um futuro para a humanidade, que não rompa nossas âncoras com o planeta e a história e com o ideário da igualdade e da justiça.

Rio, 5 de maio de 2012

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